domingo, 11 de junho de 2017

Uma Semente Geograficamente Periférica - Humberto Fonsêca


     
 
       As vozes das periferias atravessaram as fronteiras enigmáticas dos sentidos e principalmente a territorialidade no espaço geográfico brasileiro, a criação que se conduz mediante aos espaços memoriais das comunidades traduzem simbolicamente as diversidades e interações  através da história contada pelos seus próprios personagens, ao traduzir suas referências, temos a memória marcada por momentos onde as nossas tradições, conhecimentos, "registros imemoriais das vivências", conseguem expor diante os tempos as vitórias e derrotas, as construções intelectuais, sendo estas de certa maneira a amplitude dos nossos constrangimentos, preconceitos, as revoltas de nossas consciências, pois, mesmo que populações não possam ainda ter adquirido suas vozes questionadoras, representantes da memória social da qual tentaremos aqui no texto colocar a questão de acessibilidade, não falo como uma propriedade de independência, já que estamos na utilidade de acessibilidade e seus multiusos, "estamos fadados de memórias políticas", que de certa maneira objetivaram realidades e mudanças institucionais, mas, não trouxeram ao passar dos anos as mudanças das quais as minorias e atores das mudanças sociais estão representando com seus entendimentos e lutas,  diante da construção desse diálogo sociológico que parece esquecido pela história brasileira ao passar dos anos.

     É preciso conhecer as periferias e suas nuances com seus historiadores,  irei trabalhar com o Hip Hop como linguagem cultural, artística, movimento criado para difundir informação, sendo esta capaz de integrar  os seus elementos distintos,  porta voz de uma imagem da memória territorial geográfica, por relacionar a as hipóteses dedutivas de "tese-antítese-síntese" exemplificada dos lugares, por descrever as ruas, bairros, cidades, a população, os ritos de passagem, as fundações, a visão particular de setores e instituições, sejam elas privadas, governamentais, o antes e depois de espaços que constituem populações que não tem voz ativa, ou não tinham, temos com o passar do tempo,  as linguagens artísticas capacitando as verdadeiras histórias das comunidades.

     Assim como a literatura pode trazer os versos, o cinema as imagens, a fotografia o instante do olhar, as artes plásticas as diversas relações e conceitos artísticos, a música quando é representada pelo rap vem explicitamente difundida de "geografia, geopolítica,  geografia crítica, a ciência política e principalmente analítica", o hip hop com seu "ritm and poetry", é uma cultura que nasceu com todas as linguagens urbanas e diferenças sociais, que encoraja a simplicidade urbana, podendo ser traduzida com os antigos costumes do campo, é a moda de viola da modernidade, a embolada dos jovens, é o samba, o maracatu, e quando a responsa chega nas artes que se espalham pelas periferias, vemos essa cultura impregnada, nos estilos de roupa, pela característica peculiar de avaliar a política, de compreender a sociologia, de estabelecer diálogo entre o que é cotidiano e subversivo, o neutro e o subjetivo, entre o conflito e a inércia popular, o agir com responsabilidade, o respeito entre as diferentes culturas e povos.

"Milhares de casas amontoadas, ruas de terra, esse é o morro a minha área me espera, gritaria na feira, _ Vamo chegando! Pode crer! Eu gosto disso mais calor humano. Na periferia a alegria é igual, é quase meio-dia e a euforia é geral, é lá mora que meus irmãos e meus amigos, e a maioria por aqui se parece comigo"

Racionais MCS

      "Lembro de um período da minha juventude, certo dia... ao ver uma van estacionada uns 200 metros do Marquês D'Latravéia, este era um dos lugares que acontecia diversos shows na cidade de Maceió, do qual por instinto, enquanto aguardava o inicio de uma apresentação do Racionais MC'S, deparei-me com o grupo esperando o momento para entrar na casa, tive a oportunidade de conversar com o caras pela janela da van, e a sensação foi inestimável, em seguida após tocar nas mãos, felicitar uma boa apresentação, vi os caras descerem e invadirem o espaço com uma habilidade diante do público, que estes sequer esperavam uma entrada como aquela, da qual realmente pude entender; _Nem me viu, já sumi na neblina".

" A periferia que não se conhece como ente que vive as mazelas sociais, não consegue criar sua identidade que vem sendo destituída e destruída pelas elites. O território da memorialização é constituído do embate, no conflito, na materialização de problematizar os patrimônios".

Humberto Fonsêca

     Estou colocando a periferia como tema central, pois a periferia é tudo que se expande dos centros de qualquer cidade, são os meios que justificam os fins, onde as cidades em constantes mudanças acabam encarcerando seus moradores em lugares impróprios, pois a dignidade do cidadão se torna produto político em meio ao cenário do qual estamos observando, sendo os produtores tanto das riquezas quanto das pobrezas, e ainda sendo massacrados pelos estudiosos e sensacionalistas como os culpados pelas atrocidades ferozes de homens corruptos.

     O Brasil viveu no período da "Revolta da Vacina", a primeira revolução e construção política que se focou nas mudanças arquitetônicas e urbanísticas, para encaminhar assim o que hoje chamamos de periferia, ao constituir no estado do Rio de Janeiro uma limpeza social,  ao devastar o centro, construir ruas e prédios no estilo europeu, inspirados por londrinos e franceses, modificaram a vivência dos moradores, estes com seus "cortiços", muito bem detalhados em obras da literatura de época como a de Aluísio de Azevedo (1857-1913), podem sintetizar as políticas de higienização, das péssimas condições de vida que viviam as pessoas que ocupavam os centros urbanos no início do século XIX, revolta esta pois, o povo não tinha conhecimento de que a vacina seria um bem contra as doenças que assolavam a população naquele tempo, e até mesmo pela ineficiência do governo que desejava fazer uma campanha de vacinação sem informação concretas para a população. Com essas construções de prédios, palácios, biblioteca nacional, teatros, e ruas ao estilo europeu, acabaram por fazer uma das primeiras migrações do povo que vivia nos centros para os morros, criando assim as primeiras favelas.

     O hip hop mostra diante do mundo a mesma vivência, os mesmos embates entre política, sociedade, cultura, e luta de classes, uma arte que nasceu de ambientes degradantes, de comunidades assoladas pela violência, por ambientes esquecidos dos poderes públicos, temos até os dias de hoje a arte que ainda se resguarda de o reconhecer como um instrumento multicultural e social através de seus agentes, vemos homens e mulheres que tem suas vivências massacradas por períodos consolidados na história da humanidade, onde o clássico e erudito no Brasil pode ter como exemplo o estilo barroco por ser profano aos olhos dos cultos de seu tempo, abriu espaço para as culturas populares, do mesmo modo, o hip hop rasgou um período das gerações vindouras por estar intimamente ligada com o que acontecia nas ruas, diante desses períodos é preciso esclarecer que a acessibilidade de direitos e recursos da arte  que nasceu das tribos urbanas, onde a junção de várias vertentes, unificaram um modo peculiar de mostrar através da criação humana modos de vida que também retratam história, saberes, fazeres, e principalmente, um patrimônio imaterial consolidado durante gerações.

     Hoje podemos carregar nossa sonoridade por onde andamos, recordo-me de períodos onde tínhamos que ouvir nosso sons com fitas cassetes, e sair na rua com as ideias juntando essas metáforas, esses diálogos contrastantes, subsídios de entendimentos,  quando ainda entendíamos algumas frases, reconhecíamos vivências e tipologias de seres que viviam as mesmas desigualdades,

     Como poeta que viveu um dos ciclos mais produtivos da poesia marginal paulistana, um dos meus maiores atritos entre amigos produtores e coletivos, sempre fora a de que; "nos importamos muito em produzir, criar, apresentar, mais como seres humanos que nasceram e vivem nos escalões subalternos, não temos a participação que merecíamos no espaço da memória, dos registros, apesar de termos um avanço devido a globalização, suas redes, acessibilidade a tecnologias, coisas que anos atrás eram de extrema dificuldade, devemos observar que a nossa expansão demográfica ainda é excludente", e que durante esses anos, a nossa luta por mais dinâmica, limpa, clara, justa, digna, honesta, não conseguiu ir além de buscar acessibilidade, parece que estamos de muletas, que não caminhamos ainda com as próprias pernas, que ainda não abrimos os olhos para o nosso papel em exercer cidadania e inteligência através da arte e da cultura.

     Quantos lugares ainda hoje continuam esquecidos pela falta de integração social, pois somos muito bem lembrados de que somos representados pela política, (na hora do voto), porém na realidade, o conceito de "defensoria dos direitos e igualdade social, cultural, intelectual" não passam de direitos que existem nos limites territoriais, temos fronteiras muito bem delimitadas, direitos e deveres explicitados, mais ainda assim, esbarramos na falta de justiça.

     A arte, é uma maneira de fazer justiça com as próprias mãos. Porém, não temos aqui sangue, pois as minhas estão desde as primeiras horas trabalhando para o poder capitalista, e agora mesmo revertendo todo este curso, pois, sou pago para produzir conhecimento, mais o verdadeiro conhecimento é quando enriqueço meus semelhante com algo que realmente, não está  a venda, nem é um protesto a meritocracia, pelo contrário, são as habilidades exercidas para entendermos nossa situação, não é mais para compreender o poder do qual já estamos marcados pela eternidade da história da humanidade.

      Sinto informar leitor, que se hoje consigo colocar aqui em escrito tudo que pensava dez anos atrás, foi porque tive que perder algumas coisas para ganhar outras, tive que perder uma balada no sábado, e ter o meu domingo de folga cansado, para simplesmente poder contextualizar o que os nossos "doutores, menestréis, bacharelados, licenciados", não conseguem explicar, por mais hora aulas que tentem as coisas mais simples que poderiam abrir nossas mentes para o debate digno, não o "debate injusto e acadêmico militante de apelações passadas, petrificado de saberes enrugados",  tens aqui, o jovem brasileiro que sobreviveu a tantas catástrofes quanto desgraças, não tive como fugir, se esconder, deixar passar, foi preciso a luta de anos para aprender escrever e sintetizar sentimentos, pensamentos, histórias, revoluções pessoais, pois, se não podemos revolucionar o mundo, se não podemos fazer lavagem cerebral, se não podemos perder tempo com tanta "balela como me dizia meu irmão de letras MaicknucleaR", aqui está a história de meu povo, de minhas culturas, das minhas artes, e a escrita, como ofício culto e de entendimento, não merece respeito algum, apenas, e simplesmente, que entendam a leitura.

      Podem ter a certeza, que assim como muitos tiveram chance de modificar o que está acontecendo, eu vos digo que essa culpa não pode ser nossa, nunca tivemos a oportunidade de mudar nada, e acredito plenamente, que se em algum momento essa digamos "oportunidade", que nunca existiu, pois tudo tem sido construído com muita consciência, trabalho, responsabilidade, não será simplesmente vendida, maquiada, manipulada, degenerada, exemplificada, pois assim como lutamos para estudar tudo que não gostamos, vocês também terão que se ajoelhar e rezar para entender nossas  origens, causas, sentimentos, e dores das quais não mais sentimos, pois, tivemos que destruir e evoluir, evoluir e destruir,  essa é a sabedoria em estado múltiplo, sem revolta, na simples prática de não seguir os erros que foram  aplicados pelos que se dizem mestres.

       "Vocês podem me agredir intelectualmente, enquanto houver escrita, me defenderei prudentemente".
Humberto Fonseca

       Ao olharmos os ambientes, o meio que é modificado pelo homem, temos uma construção por mais ambígua, devastadora, inconsciente que seja, podemos afirmar que foi feita pela necessidade do homem com o trabalho para garantir as capacidades mínimas e necessárias para a sobrevivência, se para as elites temos o que necessitamos, para os cultos e promotores da sociologia, história, filosofia e literatos da historicidade brasileira, ainda restam obstáculos dos quais vem sendo impostos todos os dias para que não possamos  inserir nos seus conceituados mandamentos, a simplicidade e atitude que vem capacitando povos de uma geração que foi relegada e negligenciada politicamente.

      Por isso, e por tantas outras frases este texto é importante, pela tradução deste período que ainda parece uma imensidão a ser conquistada, temos a plena consciência de que estamos fazendo nosso papel como agentes precursores de uma cultura, de um modo e estilo de vida, de uma sociologia e divisão dos direitos, de que estamos construindo também nossa história, de que estamos também filosofando nossos saberes, por mais que não estejamos conseguindo politicamente as mudanças necessárias, sabemos que o conceito de quem conhece e estimula a cultura e arte é para exercer o papel transformador, para as mudanças pessoais existem os coachings, os livros de auto ajuda, e para a constituição da história temos que ser realizadores dos nossos conhecimentos, tanto na parte técnica como no campo de atuação.

      Estudando neste momento o curso de licenciatura em Geografia, consigo entender as diferenças regionais mais claras e até mesmo sintetizar as partes físicas desta ciência, pois sempre fui do campo analítico, das diversidades, dos sensos que nos desmoronam a cada publicação, dos índices que nos assolam, dos números que nos constrangem, dos resultados que nunca satisfazem.

     Possibilito assim uma visão da atuação do hip hop como "método artístico comparado de ação social", por ser local, nacional, e mundial, por ter raízes e semelhanças independente dos idiomas, por ter geograficamente se consolidado como uma cultura dos povos, das minorias, dos pobres,  dos excluídos, dos artisticamente incorretos, pela forma de se vestir, falar, criar,, "sem criticar de maneira alguma aqui, os milhares de rappers ricos", falo da origem, da essência da cultura,  de sua  "geologia arquitetônica popular", que diante de todas as barreiras e limites encontrados travou diante da humanidade uma luta justa, honesta, e que prevalece para desenvolvimento dos saberes e fazeres de um povo.

Humberto Fonsêca

Nenhum comentário: